O Pronatec e o financiamento público das instituições privadas de ensino

fevereiro 14, 2012 - Notícias

Promulgada há poucos meses, em 26 de outubro de 2011, a lei federal nº 12.513  (1)  instituiu um sistema público de financiamento e de apoio à expansão da oferta da educação profissional – sob as formas do ensino médio técnico e da qualificação profissionalizante (ou cursos de curta duração para inserção imediata no mercado de trabalho). Intitulada “Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego” (Pronatec), a lei, não obstante a extraordinária necessidade e carência de um ensino médio técnico e profissionalizante, flagrante na atual realidade brasileira, revela problemas muito graves. Resultado talvez de um diagnóstico acertado sobre as prementes necessidades públicas, mas que, simultaneamente, corresponde à aplicação de remédios bastante indigestos. Senão vejamos, dois aspectos em especial.

O primeiro aspecto que sobressai, da leitura da lei, é o financiamento das instituições particulares de ensino, com verbas públicas. Verbas oriundas da acachapante massa de impostos pagos pelos cidadãos brasileiros. As instituições privadas, segundo o artigo 8º da lei, poderão executar o programa federal, “mediante a celebração de convênio ou contrato”, respeitados “critérios mínimos de qualidade”. Poderão também contar com recursos destinados aos seus alunos bolsistas, bastando para isso, cadastrarem-se em um sistema eletrônico de informações do MEC. O aluno, via Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que antes apenas contemplava os estudantes da educação superior, obtém o crédito junto ao Fies, integral ou parcial, pagando a sua bolsa a base de juros. Com efeito, vê-se a oferta de duas distintas fontes públicas para o financiamento das instituições privadas. Quais são aqueles parâmetros “mínimos” para a celebração do convênio público/privado? Podemos imaginar… Evidentemente, o princípio do ganho rápido e do ensino precarizado e voltado à satisfação da famosa,  parasitária e fantasmagórica, “lógica do mercado” tenderá a prevalecer. Ademais, a verba pública, assentada nos impostos pagos pelos cidadãos, em parte será destinada por intermédio de bolsas, que não consistem em gratuidade aos alunos! Quer dizer, o sujeito-aluno, e a sua família, que contribuiu para o montante das verbas orçamentárias da União, será submetido a uma “tributação adicional”, via posterior pagamento da bolsa ao governo. Quem ganha com isso?!

Chama a atenção também o papel praticamente protagônico concedido pela lei ao sistema S de ensino (Senai, Senac etc.). Administrado por confederações representativas de diferentes setores do empresariado – confederações nacionais da indústria e do comércio (CNI e CNC), por exemplo –, o sistema S, todavia, por décadas, e ainda hoje, vive(u) à sombra de recursos públicos “parafiscais”. Cátia Guimarães e Raquel Júnia esclarecem a questão: “Esses recursos são considerados públicos porque resultam de contribuições compulsórias das empresas, que, por sua vez, repassam essa despesa para o custo dos produtos, portanto, para o consumidor. Apesar disso, muitas instituições vinculadas a essa rede cobram pelos cursos que oferecem”.  (2)

Incluídas no sistema federal de ensino (conforme artigos 6º e 20º), as unidades que compõem o sistema S agora possuem autonomia didático-pedagógica para delinear e oferecer os seus cursos, assim como podem receber transferências financeiras diretas da União, sem a necessidade de maiores restrições burocráticas e administrativas. Com isso, recebem mais dois expressivos aportes de recursos públicos: as transferências diretas – que são também destinadas às instituições federais, estaduais e municipais do segmento educacional em questão – e o financiamento de bolsas de alunos. Vejam bem: em que pesem ponderações do governo federal, externas à lei, para a gratuidade dos cursos, as mensalidades, em regra, são e serão pagas pelos alunos! O sistema S, pois, conta agora com 3 (três) fontes de recursos públicos mobilizados pelo esforço e o sacrifício do povo, do trabalhador brasileiro! Eis uma dose bem indigesta…

Assim,  às instituições públicas, federal, estadual e municipal, o que caberá? Qual a fatia deste bolo chamado Pronatec que virão a receber? Eis um lastimável sintoma do desrespeito com a educação pública e com os interesses da população!

Um segundo aspecto a ser considerado na lei do Pronatec diz respeito ao perfil dos cursos que serão estimulados. Não é escassa a controvérsia em torno do assunto e é grande e justificável o receio de que a lei virá a promover a oferta de cursos rápidos, frágeis do ponto de vista formativo, incapazes mesmos de atender às próprias e tão preconizadas “demandas do mercado”. Segundo o professor Gaudêncio Frigotto, há “uma grande chance de prevalecer a concepção orientadora do sistema S e que vai, por exemplo, ao contrário da defesa da integração entre a formação profissional e a formação básica. (…) A história da educação brasileira mostra que esse tipo de formação não responde sequer às necessidades do mercado, pelo menos não dessas empresas que precisam de gente com base cientifica e tecnológica para operar o sistema produtivo hoje”. (3) Portanto, corre-se o risco de serem, predominantemente, oferecidos cursos que não satisfaçam sequer à posição ocupada pelo país no atual cenário da divisão internacional do trabalho, isto é, a de um país periférico do capitalismo, mas “emergente” e com parque produtivo diversificado. Já nem frisamos o ideal de superação da condição periférica, que demandaria uma ordem de investimentos e um perfil de educação muito diferente do que prevalece no país. Notem bem: o risco assinalado por Frigotto parece-nos apontar para uma incompatibilidade mesmo entre o modelo de ensino técnico e profissionalizante que se encontra no horizonte, e o eventual exercício de uma condição tecnológica dependente, mas non troppo. Nessa condição, como o mostram a Rússia e a China, algum grau de controle e de domínio tecnológico é requerido pelo setor produtivo, de modo a atenuar a dependência econômica e tecnológica em face do centro capitalista. Um investimento educacional público no cidadão, no trabalhador, com efeito, se faz necessário. Sequer isso parece potencialmente ser alcançado com o que estabelece o Pronatec.

No que diz respeito à Faetec, é bastante plausível que as iniciativas levadas a cabo pelo governo federal, inclusive a lei do Pronatec, já estejam há algum tempo manifestando suas incidências. Ainda em maio de 2009 (conforme boletim no. 1, http://sindpefaetec.org.br/wp-content/uploads/2011/08/boletimeletronico_1_2009.pdf), assinalávamos os problemas relativos à prioridade concedida pelo governo estadual aos Centros Vocacionais Tecnológicos – CVTs, com seus cursos rápidos. No momento, então, basicamente caberiam duas indagações, quais sejam: a Faetec está recebendo ou tem previsão de recebimento das verbas do Pronatec? A Faetec vai continuar dando prioridade aos cursos de curta duração, em detrimento à formação adensada, que combine a dimensão humanística e técnica, peculiar ao ensino médio técnico? Questões que todos os servidores precisam saber e se envolver, de modo a alcançarmos a expansão e o aperfeiçoamento da escola técnica no Estado do Rio de Janeiro!

Notas:

(1) PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei nº 12.513, de 26 de outubro de 2011. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12513.htm . Acesso realizado em 09/02/2012.

(2) GUIMARÃES, Cátia, e JÚNIA, Raquel. Pronatec: público e privado na educação profissional. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, 29/04/2011. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Num=507 . Acesso realizado em 09/02/2012.

(3) FRIGOTTO, Gaudêncio apud GUIMARÃES, Cátia. Rumos da educação profissional. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 19/01/2012. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Num=599 . Acesso realizado em 09/02/2012.

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